Administrar o desconforto

Steffi de Castro
5 min readAug 2, 2023

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Foto de Girl with red hat na Unsplash

Hoje assisti a um vídeo daqueles bem básicos, aquelas listas com uma chamadas bem direcionadas, sabe? Era uma lista de 6 sinais de inteligência emocional. Fazia tempos eu tinha salvo este link, hoje, enquanto lavava uma loucinha, parei para ouvi-lo. Confesso que alguns itens não achei interessantes, mas talvez porque, pobre como minha família era (e como ainda somos), eu só teria mesmo as coisas por mérito, caso contrário não teria nada. Mas um dos itens me chamou atenção, era algo sobre não transformar o sofrimento num monstro, mais exatamente “administrar o desconforto”.

ADMINISTRAR O DESCONFORTO

Esse é um ponto que sinto que foi o que, com certeza, eu aprendi ao longo destes anos. Eu costumo afirmar que hoje eu sofro com uma certa “dignidade”. Às vezes ainda estou sofrendo pelos mesmos motivos de anos atrás, mas agora sem o desespero de achar que o mundo vai se acabar. Sei que, mesmo que eu não tenha o que eu quero, eu sei que terei outras coisas muito boas também, porque eu nem sequer imaginava realmente ter o que tenho hoje (ainda que muito modesto e precário em alguns sentidos); me parecia quase impossível.

Em 2021, chorei que nem uma vadia no dia em que F. terminou comigo, na frente dele. Nem sequer namorávamos. Chorei porque ele não queria e, portanto, se despediu de mim. Eu, numa cena ridícula, chorando tal qual criança (me desesperando mesmo, fazendo birra), sendo real, tudo bem, palmas pela coragem, mas, por favor, né? Não era pra tanto. Eu estava fazendo birra mesmo. Por amor. Mas era birra. Eu me envergonho tanto daquilo, e realmente, a única coisa que explica é que de fato, eu não tinha, nessa época, um dos elementos que dizem que alguém que é maduro tem: a prática de saber administrar o seu desconforto. Com 28 anos e chorando que nem uma criança birrenta por não ter ganhado o brinquedo caro que queria.

Mas foi nesse dia que eu percebi o quanto minha situação estava ridícula, pois ele falou: “Eu pensei que tu era uma pessoa mais madura pra essas coisas”. E ainda adicionou que eu era madura pra todo o restante, mas pra isso não. Aquilo, além do término, foi uma das coisas que me marcou. E prometi pra mim que evitaria ao máximo passar por tal situação de novo. Não (só) pela vergonha que isso é, mas também porque não é justo nem com o outro, muito menos comigo. As pessoas não são obrigadas a gostarem e estarem umas com as outras, e eu não tenho porque ficar chorando por alguém que não me quer. Quando a gente se dá conta disso, entendemos que é preciso administrar o desconforto que isso muitas vezes vai nos causar.

Depois disso, sinto que aprendi a administrar o desconforto do desamor e da solidão. O desconforto da sensação de incompetência, da sensação de talento desperdiçado, da sensação de impostora. Da tristeza. Da saudade. Dos lutos. Da mobilidade que anda piorando, das infinitas decepções. Dos sexos sem conversa no dia seguinte. Do estômago que não tem mais borboletas. Da aceitação de que não preciso ir falar, e se o outro não falar comigo, tudo bem também.

Administrar o desconforto que o cansaço gera, sabe? Administrar o desconforto do medo. Ah sim, estou com medo, estou me resguardando (até demais), estou me protegendo sempre que possível. Tenho medo de me abrir de novo, tenho medo de ter mais uma bola na trave, sabe? Tenho medo com uma pitada de desesperança. Olho os grupos de pessoas ao meu redor e não me encaixo em nenhum, são poucas as amigas que ainda parecem “compreender” minha situação.

Me diverti bastante, vivi bastante a solteirice ali por volta dos 22 até os 25, 26 anos… É bom demais. Você já trabalha e tem seu dinheirinho, pode chegar na hora que quiser, fica com quem quiser, tem muita gente disponível e todo mundo com aquela vontade doida de se pegar, aqueles rolês que exalam a energia de que qualquer coisa pode acontecer naquela noite, basta você querer. E eu quis muitas vezes. Mas essa minha galera, hoje já com seus 30+, está casando, tendo filhos, se sossegando… Enquanto nós estávamos assim, a galera que estava quietinha em seus relacionamentos de longos anos estão terminando e querem apenas agora viver essa fase brilhante do 22 anos. Então, pessoal, um aviso: eu sou da galera dos 30, mas não tenho filhos, nem namoro, nem casei, mas também não estou saindo de uma relação agora, sabe? Estou exatamente nesse lugar do limbo, dos desencontros. Do desconforto.

E é difícil ter encontros reais nesse momento da vida. É difícil encontrar pessoas que não estejam na defensiva, que se portam de verdade como pessoas abertas. É cansativo viver situações em que você é informada aleatoriamente de que o outro “não quer namorar” sem nem você perguntar. É, mais uma vez, a interdição.

E nem posso ficar falando isso o tempo todo por aí, sabe? Já acho que falo até demais. Mas no mundo da produtividade, autocuidado e protagonismo pessoal, é pecado uma mulher como eu querer uma relação. É considerado uma coisa infantil, mesquinha, desesperada… E se você falar muito sobre isso, vai precisar treinar bastante a administração do desconforto, porque vai passar por muitas situações que causam exatamente isso.

Já fui rejeitada, já rejeitei, já traí, já fui traída. Mais do que tudo isso, quebrei muito a cara. Muitas vezes. Tenho um coração que bate meio sufocado, respira por aparelhos — mas continua pulsando, porque não tem como a gente se desligar do desejo, é o que faz a gente continuar.

Não tem como trocar de desejo, porque a gente sempre deseja o que não se tem, e o que eu não tenho agora é exatamente isso: um amor, um homem pra chamar de meu, uma rotina, um plano juntos, um filho, talvez. Alguém para eu admirar apaixonadamente, alguém pra me endeusar. Alguém onde eu possa depositar uma parte desse tanto de amor que tenho comigo, guardado, trancado.

Enquanto não chega, sigo administrando meu desconforto, lidando com o real, pra não tornar a vida miserável ou ficar novamente amargurada para tudo e para todos, até porque, apesar de tudo, ainda existe coisa para se viver — só preciso descobrir quais são elas.

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